A cultura do cancelamento é um fenômeno relativamente recente em que indivíduos, geralmente nas redes sociais digitais – mas também pode ocorrer em meios sociais físicos -, buscam expor, boicotar e punir aqueles que expressam opiniões consideradas ou percebidas como desviantes. Nas redes sociais digitais, tal prática é capaz de levar o indivíduo julgado ao esquecimento social.
Embora esse conceito seja mais frequentemente associado ao ambiente online, suas repercussões podem se estender para além da internet, afetando diversos aspectos da vida, incluindo a rotina escolar dos alunos.
Infelizmente, a cultura do cancelamento se tornou muito comum nas redes e os impactos dela são bastante significativos, indo de linchamentos virtuais, injustiças, exclusão, isolamento e outros danos irreversíveis para as pessoas que são vítimas desse fenômeno.
Para a sociedade, a cultura do cancelamento, que julga e pune sem passar pelo diálogo ou sem buscar a resolução pacífica de conflitos, desencoraja a participação ativa dos cidadãos, impossibilita a diversidade de ideias, e prejudica fortemente o entendimento mútuo e consensos democráticos.
Além disso, e como todos podemos facilmente observar, por meio das redes sociais digitais, o cancelamento viabiliza a disseminação de campanhas de ódio que se espalham pelo planeta em um abrir e fechar de olhos.
Entre os causadores da cultura do cancelamento estão a fragmentação da sociedade em grupos identitários, segmentados em bolhas algorítmicas, além da polarização política.
Em última instância e para resumir bem os efeitos negativos do cancelamento, essa prática julga e esmaga as vítimas sem que elas passem pelos processos usuais de justiça.
É que o cancelamento se dá por meio de campanhas nas redes sociais, e qualquer pessoa, empresa ou serviço pode estar na mira dos canceladores. As vítimas – físicas ou jurídicas – passam a ser repudiadas publicamente e podem perder o emprego, patrocínios, seguidores, dignidade, sanidade mental, e por aí vai.
A cultura oposta à cultura do cancelamento passa exatamente pelo senso crítico e pela capacidade de interação por meio do diálogo, argumentação e tolerância. Também passa pela análise de tudo o que o indivíduo recebe via internet. Ou seja, é necessário compreender o fato, no caso o conteúdo, antes de aderir ao linchamento virtual em andamento. A pergunta é: por que isso está ocorrendo? Em que momento a sociedade passou a agir como os antigos bárbaros, que julgavam e condenadam, antes mesmo de ouvir a parte em julgamento?
Se por um lado a internet e as redes sociais digitais deu voz (democratizou) a grupos minoritários ou antes marginalizados, e que podem com isso defender seus direitos, o que é bom, a exemplo de movimentos anti-sexistas, raciais, de ativistas LGBTQIA+, contra abusos, por outro lado também pode gerar um ambiente hipersensível à percepção de desvio de regras socialmente aceitas.
Isso significa que os movimentos de canceladores correm o risco de distorcer ou amplificar os erros, levando à punições dos desviantes de forma totalmente desproporcional. E para além disso, esses grupos ainda podem gerar discursos de ódio e de intolerância, colocando as vítimas em risco moral e até físico.
Algumas publicações tratam do tema e entre elas está o livro “Humilhado, como a era da internet mudou o julgamento público”, do jornalista inglês Jon Ronson.
O livro traz boas reflexões já que Ronson investiga a cultura do cancelamento em uma rede social, na qual os usuários agem como justiceiros. Além disso, o autor da obra também entrevista pessoas que passaram pela punição coletiva. Um dos personagens ouvidos é o jornalista Jonah Lehrer, cuja reputação profissional foi arruinada, após um repórter descobrir distorções de fatos sobre Bob Dylan no livro de Lehrer “Imagine, How creativity works”.
Lehrer aumentou ainda mais a ira dos seus julgadores que o acompanhavam pelo Twitter, agora X, ao pedir desculpas publicamente em um evento aberto. Conclusão: após vender mais de 200 mil exemplares, a editora encerrou a edição dos livros em papel e retirou do mercado a sua versão digital, e o escritor perdeu o emprego na revista “The New Yorker”.
No livro “Humilhado, como a era da internet mudou o julgamento público”, Ronson traz muitos outros exemplos de indivíduos que passaram pelo cancelamento e quais consequências sofreram. Ele aponta que o julgamento na intenet, por vezes, sai totalmente do controle e leva o alvo também ao sofrimento psicológico.
O autor e jornalista argumenta que o anonimato favorecido pela internet é ferramenta que fomenta o ódio e a intolerância, gerando facilmente a disseminação da cultura do cancelamento.
E quando falamos dos efeitos da cultura do cancelamento na escola? O que ela provoca aos estudantes e ao ambiente escolar?
Sobre essa particularidade, confira no vídeo produzido pela educadora e jornalista Sandhra Cabral:
No próximo post a respeito da cultura de cancelamento traremos caminhos sobre como enfrentá-la na escola, junto aos estudantes.
Dicas de Leitura:
HABERMAS, Jürgen. Teoria da ação comunicativa: Racionalidade da ação e racionalização social | Para a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Editora Unesp, 2022.
RONSON, Jon. Humilhado: Como a era da internet mudou o julgamento público. Rio de Janeiro: Best Seller, 2018.
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Fonte: Brasil Escola